sábado, 1 de agosto de 2009

A proibição de pensar

O título deste artigo foi tomado de empréstimo de Slavoj Zizek, um dos pensadores europeus mais conscientes e merecedores de atenção, por diversas razões. Sua clareza e produtividade espantam a quem está acostumado a estilos obscuros e ilegíveis, ou ainda, a pensamentos circulares que não levam a nada. Nele, os problemas são formulados e as respostas fluem sem medo de errar. Seu senso moral é imbatível, bem como seu compromisso com um pensamento renovado, sem esquecer as longas raízes de uma visão crítica do mundo, nascida no século XIX e desenvolvida, com muitos percalços, no século passado.

Para quem vive no hemisfério sul, a obra do autor esloveno chama à atenção pelo seu universalismo e por sua capacidade crítica de resistir à tentação do eurocentrismo. Não é necessário concordar com ele em tudo. Entretanto, a leitura dos seus livros, fartamente traduzidos ao português, é uma aventura no terreno positivo das provocações intelectuais, demonstrando a validade de idéias e fatos históricos que forças poderosas prefeririam que fossem esquecidos ou permanecessem escondidos. Zizek examina velhas e novas teorias, faz a ligação do passado com o presente e desenvolve propostas que devem irritar profundamente os conservadores antigos e "modernosos" que, porventura, cheguem a ler suas obras.

As sociedades humanas tendem a desenvolver tabus, assuntos que não devem ser discutidos. Em versões mais suaves, discute-se o problema com a superficialidade aceitável pelo poder. Poucos ousam ir mais fundo e trazer à tona a vida que existe nas profundezas dos fatos históricos. No Brasil, isto não se passa de modo diverso. Não pensar virou moda, com o atual desprestígio da crítica escrita e falada. O forte "presentismo" atual tenta afogar quaisquer tentativas de iluminar o passado e mostrar as relações com o que hoje se vive. Também, o presente é tratado como algo que se deva aceitar de modo inelutável. Não se pode discutir seriamente o que já se passou. É, igualmente, proibido falar de modo mais ácido sobre o que está se passando agora.

A forte naturalização dos fenômenos sociais e políticos é moeda corrente nas mídias, sobretudo, nas que dominam o cenário. A publicidade e a propaganda política são, em muitos casos, exercícios radicais do não-pensamento e do culto aos preconceitos e a outras irracionalidades. Seria possível fazer uma lista extensa do que é varrido para debaixo do tapete ou tratado com imensa superficialidade, mesmo que seja assunto abundantemente abordado pelas mídias.

Um exemplo, apenas para ilustrar, é o modo que o crime é tratado pelas grandes mídias. A lógica usada é a mesma dos filmes de ação. Mocinhos e bandidos são exibidos com garbo, nem sempre é claro quem é quem. Não parece estranho, a você leitor, pessoas andando nas ruas das grandes e médias cidades brasileiras e nas suas comunidades pobres portando armas de guerra? Não é ainda mais esquisito o fato de não haver uma guerra para valer, como existe na Colômbia? E o que dizer das balas tracejantes que sobrevoam sua casa, iluminando o céu como fogos de artifício? E os helicópteros com seu imenso ruído e com soldados armados até os dentes? Tudo isto é tratado como coisas absurdamente naturais, com as quais se devem comungar e aceitar com a (in)tranqüilidade possível ou impossível.

Você que chegou até aqui, deve estar pensando em inúmeros assuntos que gostaria de compreender melhor. Coisas que te disseram, mas não te convenceram, a não ser, em um primeiro momento. A intriga funciona assim. Inicialmente convence e mobiliza consciências. Depois, gera uma imensa frustração porque se descobre - quando acontece ou foi possível -– o engano e a manipulação. A espiral da intriga tomou de assalto a sociedade brasileira e, com especificidades, o mundo atual. Facilmente, imagina-se que determinado assunto se está plenamente esclarecido. Em seguida, descobre-se que havia elementos antes desconhecidos ou censurados pelo poder de plantão.

O "deserto do real", em uma das expressões bombásticas de Zizek, surge, por vezes, em um átimo. Para nos segundos seguintes, esconder-se atrás da nuvem de preconceitos e irracionalidades que caracterizam as trocas comunicacionais e informacionais do tempo presente. As mídias muito comumente operam este jogo de luzes. As sociedades estão treinadas a aceitá-lo como natural. Afinal, ele é repetido incansavelmente até que acreditem na sua veracidade.

Quase sempre não é agradável ver o real de perto. O escritor esloveno tem razão. Ele é desértico. Suas cores são borradas pela intensa luminosidade que quase cega quem tem a coragem de se aproximar. É mais confortável viver na penumbra, sobretudo, se quase todos a vivem sem problemas como na famosa caverna de Platão. É difícil convencer a muitos que é melhor sair da caverna e ver a luz do Sol. Há quem prefira, como advertiu o velho sábio grego, a escravidão, os grilhões que atavam os habitantes do mesmo local.

A fuga do real é um problema humano, tão antigo como a própria humanidade. Entretanto, ninguém sobrevive, com dignidade, tendo uma vida só de ilusões. Elas não enchem a barriga, não protegem ninguém da natureza e nem da exploração do homem pelo homem. Manter-se indefinidamente nelas significa negar sua própria natureza e a capacidade de qualquer um conhecer e interpretar o mundo. Logo, se está de frente a um paradoxo, talvez insolúvel.

Existem os que escolhem o papel terrível de alienar, de tentar impedir de todo jeito que se possa compreender o que está em volta. Na outra ponta, felizmente, a crítica e os críticos fazem exatamente o contrário, em diversos espaços sociais. No mundo moderno, as possibilidades de esclarecer são infinitamente maiores do que no passado. Todavia, os meios do esclarecimento são os mesmos que servem para produzir descerebrados, pessoas que nada ou pouco reclamam, aceitando o destino como algo inexorável e impossível de mudar. Tudo depende de quem tem a propriedade ou consegue influenciar os meios humanos e técnicos de comunicação.

Luís Carlos Lopes - Fonte: sítio da Agência Carta Maior

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