domingo, 27 de setembro de 2009

Sobre o sniper da Tijuca ou sobre a vingança

Mais uma vez a sociedade brasileira se viu às voltas com um caso de sequestro. Mais uma vez, as rodas de debate estão concentradas de pessoas comentando o caso. No entanto, em comparação com o ônibus 174, com o caso Elóa e outros, agora não existe uma revolta contra a ação da polícia. O que existe é uma alegria não contida de que a polícia fez a parte dela. Não somente isso, fez bem feito a parte dela.

Escrevi um texto na época do ocorrido sobre o caso Eloá comentando que a sociedade brasileira estava mais interessada em exercer o seu sentimento de vingança do que deixar que o criminoso seja julgado por nossas instituições competentes, ou não, mas, ainda assim, responsáveis pelo estabelecimento da justiça em nosso país.

Não abordei, no entanto, como o sentimento de vingança ganha os corações e mentes das pessoas. Até mesmo as pessoas religiosas acabam caindo no discurso fácil de que o olho por olho e dente por dente resolverá nossos problemas na área de segurança pública. A vingança opera em nossa sociedade por meio de duas estratégias: a individualização de um problema social e a completa descrença, por parte da nossa população, em nossas instituições.

A violência urbana é fruto da nossa incapacidade de criarmos mecanismos para possibilitar a ascensão social de milhares, quiça milhões de jovens, em nosso Brasil. No entanto, quando acontecem tais casos, parece que tudo some, tudo dá lugar aos dois personagens: o bandido portando uma granada e a polícia. É interessante notar que ninguém se perguntou sobre a estranheza de um jovem portando uma granada pelas ruas de Vila Isabel. Aquilo era de menor importância.

Ora, não sou técnico de armas, mas é fácil perceber que uma granada é uma das piores armas para se chantagear alguém. O caso do sequestro é uma prova disso. Vamos supor que o sequestrador ainda não é um terrorista, isto é, a sua preocupação de conservar a sua vida é maior do que o desejo de se explodir junto com a vítima. O sequestrador, no caso, só tinha a perder, já que ele não teria - estou fazendo uma suposição com base na perspectiva de que todos os homens temem a morte - nenhuma vantagem em se explodir. Provavelmente ele não acreditaria que ele seria considerado mártir de alguma coisa e fosse para um paraíso qualquer com centenas de virgens. Acredito então que a melhor solução seria a manutenção do diálogo com o criminoso.

A postagem não é para dizer que a polícia carioca errou. Um policial é treinado para reagir de acordo com o contexto que ele observa. Claro é que ele é treinado, como último recurso, para salvar a vítima eliminando o agressor. No entanto, o que parece uma perigosa tendência da população brasileira é uma profunda paixão pela eliminação física dos criminosos. Hoje nós temos dois novos “heróis” brasileiros: o sniper e o policial que “bancou” a ordem do tiro certeiro.

Fiquei pensando durante todo o dia o que deve estar se passando pela cabeça do policial “herói”: estou sendo elogiado muito menos por ter salvo a vítima, estou sendo elogiado por ter tido a competência de matar o bandido. Fiz o que os policiais paulistas não conseguiram. No entanto, aprendi na academia de polícia que a melhor solução é a prisão do criminoso e a libertação da vítima. Parece que não é isso que a sociedade brasileira quer...

Para pensarmos os motivos que levam a sociedade brasileira a desejar a eliminação física de seus criminosos, é preciso imaginar o que ela pensa sobre as pessoas criminosas. Na maioria das vezes, o discurso essencialista, aquele que acredita em índoles já colocadas desde o nascimento, é ainda muito forte no Brasil. Dentro dessa perspectiva, toda a discussão acerca das melhores oportunidades para as pessoas não passa de balela. O importante é saber identificar, o mais cedo possível, o que a pessoa vai ser no futuro: cidadão de bem ou vagabundo. Toda a produção da ciência social brasileira desmente tal preconceito. O vir-a-ser do homem não está determinado por sua índole, sua natureza, ou qualquer coisa essencialista. O seu vir-a-ser é determinado pela maneira como ele introjeta o que a sociedade demonstra e a forma pela qual o homem exterioza aquilo que lhe é ensinado. Nesse sentido, não é sendo caixa de supermercado que nossos jovens compraram o tênis Nike do momento. Pensando assim, não é difícil compreender como pensa a cabeça de um criminoso numa sociedade marcada pela extrema desigualdade social.

É interessante pensar que todo mundo que acredita em índoles malignas para o ser humano não pode ser cristão, mesmo que ele queira se identificar como tal. Para o cristianismo, o ser humano é fruto da criação divina, cujo mentor, Deus, teria uma série de atributos, entre as quais a bondade. Nesse sentido, se acreditarmos que há algo que não muda durante a estadia do ser humano na Terra, uma essência, esta teria que ser boa, já que foi proveniente de um ser bom. Haveria contradição Deus gerar um ser humano com uma essência maligna. Quando consideramos que um homem é irrecuperável e achamos que o melhor seria a morte dele, estamos sendo anti-cristãos.

Muitas pessoas não acreditando na eficácia da justiça pensam que a cadeia hoje é uma espécie de hotel de criminosos com roupa e comida lavada. Que a legislação, sendo muito permissiva, faz com que a criminalidade aumente. Pensam que cada bandido, antes de cometer um crime, faz uma conta sobre a quantidade de anos que ele pegará se for preso. Parece que a população brasileira transferiu para os policiais o direito de vida e de morte tendo em vista que as instituições competentes são muito liberais para os padrões da época.

Isso me faz lembrar um filme de zumbis, que eu adoro, chamado Extermínio 2. Num mundo devastado pela epidemia que transformam as pessoas em zumbis, há uma tentativa de reconstrução da vida normal. Como não poderia ser diferente, a infecção volta e começa a se espalhar pela população. O exército, responsável pela reconstrução, dá a ordem de matar apenas os contaminados (só os vagabundos, diríamos hoje). Mesmo largando o aço, os militares não conseguem conter a expansão da epidemia, justamente pela dificuldade de se distinguir os infectados das pessoas consideradas normais. Temos então a última ordem: matar todos os seres humanos sem distinção.

Acredito que estamos numa situação pior do que no filme. Lá é o exército que determina que a sociedade deve morrer. Aqui é a própria sociedade que pede aos policiais que exterminem os problemas criados por nós.

Desmistificar a vingança como método de “solução” dos nossos conflitos. Parece que isso está na agenda do dia para criarmos uma sociedade mais “cristã”, se utilizarmos o termo religioso ou uma sociedade onde cada indivíduo tenha seus direitos garantidos.

4 comentários:

marianna disse...

muito bom.

Carolina Ferreira Leal disse...

Iaí Sanger, sou sua fã. Sempre sóbrio em suas opiniões. Deus te abençoe, meu filho.

Carlos alberto Sampaio disse...

Belo texto, está de parabéns. No fundo, a idéia tão criticada de que "bandido bom é bandido morto" está presente introjetada na sociedade. Só que ninguém nasce bandido.

Marilda Vivas disse...

Oi Sanger, dá gosto ler suas eflexões. Vi a cena... a morte certeia... o tiro disparado com precisão. Já não sei mais qual é oreferencial. Seu artigo ajuda a esclarecer. Contribui para um retorno necessário ao equilíbrio. Abcs afetuosos. Marilda Vivas