segunda-feira, 14 de março de 2011

Uma grande revista de sacanagem

Ivan Lessa

Colunista da BBC Brasil

No ônibus e no metrô, ou mesmo no táxi, eu só a leio malocada sob a capa de uma publicação inócua, algo assim feito Big Tits (“Peitões”) ou Bums Galore (“Bundas às pampas”). Sou cauteloso, respeito a moralidade dos outros. Mesmo em casa, na mais perfeita solidão, a sós com a gata dormindo na sala, tomo cuidado. Alguém pode chegar de repente.

Esse macete de fantasiar a revista em questão até que me dá um frisson que me remete à minha mocidade há tanto tempo passada. Ah, aquelas revistas mal impressas em papel vagabundo e que davam vontade na gente de, sei lá, fazer as maiores besteiras do mundo! O passado é um país onde os velhos têm livre entrada e deles não se exige documentação para o ingresso.

Estou me referindo à revista norte-americana Forbes, e peço logo perdão às pessoas de sensibilidade mais delicada, cujos olhos, por isso ou aquilo outro, aqui nestas linhas vieram ter. A Forbes é a revista de mulheres, depiladas ou matagosas, daqueles a quem o dinheiro e sua posse excessiva (se existe dinheiro em excesso) provoca boca seca, suores na mãos, conturbações nas partes inferiores do corpo.

Não, não sou assinante. Não, também não tenho verba para chegar no jornaleiro e pedir um exemplar, mesmo que seja uma ou duas vezes por ano.

A Forbes foi publicada pela primeira vez em 1917 (um bom ano, hein, bolcheviques?), é bissemanal, comparece ainda com 4 números especiais por ano. Seu moto, talvez influência da década em que surgiu, é singelo: The Capitalist Tool, qual seja, “A Ferramenta Capitalista”.

Ela gosta de se qualificar como “exclusiva para os donos dos fatos e que querem saber o que fazer com eles”. Exato. Feito as moças e rapazes das revistas que uso como camuflagem.

A especialidade da Forbes são as listas. Quando da pauleira dos anos anos 30, anos do crash e da depressão, não teve muita lista a fazer. Ponderou, fleugmatizou. Seus artigos não provocavam coceira em parte alguma do corpo, do cérebro humano. Limitaram-se aos sucedidos da época, feito cigana enganadora em parque barato de diversões. Muitíssima moderação em tudo que lembrasse prognóstico ou mesmo diagnóstico.

Agora mesmo, nessa suposta recessão que vivemos, a Forbes tem mais o que fazer do que dar palpite. Seu negócio, como o das lavadeiras, é publicar rol. De bilionários. Em todas as (perdão, público) posições possíveis. Rol com os 40 mais do mundo árabe, os 40 mais do mundo em desenvolvimento, os 40 mais daqui, os 40 mais dali.

Sempre acompanhados de foto não-comprometedora e extensa e eloquente dissertação sobre suas posses e interesses. A Forbes é a espécie mais avançada do que alguém – quem mesmo? – já chamou de “pornografia oligárquica”. Uma posição que não consta dos tomos eróticos especializados.

A circulação anual da Forbes é de 23,4 milhões de exemplares e a renda básica de seu leitor average fica na casa dos US$ 217 mil, sendo sua idade média 43 anos e, para as mulheres, que elas também são chegadas a uma “ferramenta capitalista”, 32 anos.

No mais recente exemplar com os 400 mais ricos do mundo, voltou a erguer a copa Forbes o empresário mexicano Carlos Slim, chegado às comunicações e ostentando um invejável patrimônio líquido de de US$ 74 bilhões. 20 bilhões a mais do que no ano passado. Está, pois, entre os 1.210 bilionários do mundo inteiro, que, unidos, sabemos, jamais serão vencidos.

A América Latina faz um papel bonito na listagem “forbesiana”: 37 países nossos irmãos lá estão, palhaços das perdidas ilusões, vestindo a camisa dourada daqueles que semeam o progresso. Entre eles, com muita honra, foguete e desfile na Sapucaí, o seu, o meu, o vosso, e principalmente o dele mesmo, Eike Batista, que chegou – estufai vossos peitos, esquentai vossos pandeiros – em oitavo lugar.

Sim, nada mais nada menos que oitavo lugar, graças à sua penetrante visão nos campos da mineração e do petróleo, que lhe renderam, no ano que passou, US$ 27 bilhões.

Não termina aí nosso motivo de orgulho. A Forbes informa que o Brasil tem 18 pessoas ou famílias com fortunas acima de US$ 1 bilhão e o maior número de bilionários da América Latina (tremei, China; cuidai-vos, Estados Unidos).

Um total de 27 milhões de unique visitors (visitantes de passagem? Turistas da fortuna?) passa os olhos nos 4 sites oficiais da Forbes. Quase tantos como aqueles que, de vez em quando, também únicos, dão uma vista de olhos nos sites Lusty Women, Giant Dicks e hard.porn.com.

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