segunda-feira, 18 de junho de 2012

VQ // 41 // Crítica

Elvis à baiana

O documentário Raul - o início, o fim e o meio, de Walter Carvalho, retrata a vida do maluco beleza  Raul Seixas, que preferia não ter ‘aquela velha opinião formada sobre tudo’

Por Marianna Araujo

Da safra de documentários sobre artistas brasileiros que fizeram história, “Raul - o início, o fim e o  meio” já tem a seu favor o fato de retratar a vida de um cantor bastante conhecido e adorado  (exagero?) pela população. Mas essa condição também gera um problema: como ser original ao  contar uma história da qual o espectador já conhece vários trechos? O trunfo do diretor Walter  Carvalho – reconhecido diretor de fotografia – é a boa pesquisa de imagens e sons de arquivo.

Ao longo do documentário é possível, por exemplo, ouvir trechos de uma fita inédita (ao menos para  o público) com gravações de Raul. Há ainda fotos e filmagens caseiras que, para quem é fã, são  verdadeiras relíquias. Mas a novidade do filme de Carvalho fica por aí. O que não é pouco, se  considerarmos que a outra metade do filme é a história de um compositor bastante popular, rebelde,  que foi casado com cinco mulheres, fez discos históricos e tem admiradores como Caetano Veloso e Tom Zé – ambos têm seus depoimentos filmados.

Raul Seixas é um daqueles personagens que durante uma conversa doméstica sobre sua vida,  certamente, muitos de nós concluiríamos dizendo: nossa, esse cara dá um filme. Carvalho  possivelmente tem a mesma percepção. A diferença é que ele foi lá e fez o filme. Talvez por isso, o diretor tenha encontrado tanta dificuldade para não fazer da vida do ídolo uma grande novela. Reside aí, a meu ver, o principal problema do documentário. Walter Carvalho escorrega na armadilha de  relatar a vida do cantor como se estivesse numa conversa doméstica, justapondo acontecimentos,  doideiras e composições. Sem querer, ou querendo, ele cria relações de causa e consequência que não servem para explicar nem a vida de uma desconhecida e tranquila criatura como eu, então imagine a  de um gênio criador e questionador como Raul Seixas?

Na época do lançamento o diretor afirmou que a loucura de Raul, que envolvia drogas, bebidas,  mulheres e composições brilhantes, estaria relacionada ao fim do casamento com sua primeira  mulher, Edith. Edith era de Salvador, filha de um pastor protestante americano, e em tudo contrastava com a rebeldia do menino fã de Elvis Presley. Para que o pai dela permitisse o casamento, Raul fez vestibular para Filosofia e Direito. Passou, casou e abandonou os estudos para voltar para a música. O fim da história dos dois vai acontecer no Rio de Janeiro quando já absolutamente imerso na carreira e na vida que levava por conta dela, a mulher vai embora levando a filha. A hipótese que Carvalho  apresentou no lançamento foi que a falência da relação com Edith sempre incomodou Raul e estaria  na raiz de boa parte dos seus desvarios. Frustrado por não conseguir ser aquilo que a moça, filha do pastor, desejava como lar e família, o cantor nunca mais seria o mesmo.

Certezas prévias costumam prejudicar todo tipo de pesquisa, seja ela acadêmica ou cinematográfica.  Com o filme de Walter Carvalho não é diferente. O diretor, a todo tempo, utiliza os depoimentos para  justificar os comportamentos do seu documentado que parecem sempre ser consequência de questões familiares ou de puro descaso com a vida. Difícil crer que alguém tão criativo, tão vivo, tão consciente das complexidades do mundo simplesmente não se importasse com a vida.

A certa altura do filme, uma imagem de arquivo mostra uma reportagem de televisão em que uma  ressaca de praia destruiu o carro do cantor. Questionado pela repórter sobre a perda, Raul diz algo como: o mar tem razão, ele veio buscar o que é dele, nós é que não devíamos ter ocupado a área do mar. E termina desejando que o mar “venha mesmo” e tome tudo. O episódio, além de um momento cômico no filme, pode servir para dar a dimensão do seu personagem. Ali, naquele momento, não se tratava do carro, mas da história que existe entre o mar, os homens e a cidade. Difícil imaginar um  desses artistas almofadinhas de hoje falando algo parecido em rede nacional e no horário nobre.

É justamente aí que reside o bom do filme e a razão pela qual ele vale a pena. Nunca é demais ouvir  um ser humano genial cantar e falar. Bons também são muitos dos depoimentos. De resto, em tempos  como hoje, vale a ida ao cinema nem que seja para ouvir um dos nossos grandes artistas mostrando que música pop não é sinônimo de música ruim.

Marianna é baiana, botafoguense e baixou todos os discos do Raul pela internet

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