domingo, 21 de outubro de 2012

VQ // 45 // Política

Pelo contraditório político, mas com civilidade

Quando passa a valer tudo para derrubar o oponente, pode até existir ganho eleitoral de curto prazo. A longo prazo, contudo, há perdas para o processo político e para a própria democracia

Por Paulo Roberto Figueira Leal

Muitos assuntos poderiam ser dominantes numa avaliação crítica das últimas eleições valencianas: a controvérsia jurídica que nos impede de saber, nesse exato momento, quem exatamente assumirá a prefeitura em janeiro; a pouca renovação efetiva da Câmara; o recorrente uso (e, infelizmente, o eventual sucesso) do poder econômico na campanha, de forma explícita ou velada – vide a exploração de trabalhadores segurando bandeiras horas a fio (em troca de quanto mesmo?).

Mas outro aspecto merece atenção: a profunda e arraigada dificuldade das elites políticas valencianas em travarem uma disputa sem apelar para a total e completa desqualificação dos adversários (que, curiosamente, nem sempre foram adversários – aliás, podem ter sido aliados até anteontem, como ressaltei num artigo anterior publicado pelo VQ - edição 42, de julho de 2012).

Chamam a atenção os excessos verbais, reverberando a tese de que a vitória de um ou de outro será inaceitável; os papeluchos distribuídos na calada da noite, todos eles não recomendáveis para menores de idade; as falas agressivas, bélicas mesmo, com que uns se referem aos outros. Enfim, chama a atenção o nível de incivilidade que tem marcado as últimas eleições no município.

Longe de se defender aqui a ingênua tese de que a disputa política pode ser feita sem a explicitação das diferenças. Ao contrário, a política precisa do contraditório para fazer sentido: deixar claras as divergências, mostrar à sociedade os distintos rumos que se oferecem pelos distintos partidos e candidaturas, acentuar criticamente questões públicas que merecem discussão na trajetória política ou nas propostas dos adversários... Tudo isso é compreensível e legítimo.

Que o eleito governe
Esse acirramento, em qualquer lugar do mundo, tende a se acentuar no final das campanhas. Em primeiro lugar, porque a cada momento diminui o número total de indecisos; em segundo, porque a proximidade da votação amplia naturalmente o calor das discussões e as torna mais emocionais; e, em terceiro, porque a posição de cada um dos candidatos depende da posição dos outros – em linguagem de Teoria dos Jogos, trata-se de um jogo de soma zero, no qual o que cada um conquista provém em grande medida do que o adversário perdeu.

O contraditório político é salutar: afinal, a democracia só se sustenta se os eleitores de fato se virem diante de escolhas – e marcar diferenças é fundamental no processo de tomada de decisão. Mas há limites (éticos e civilizatórios) que devem ser respeitados. O problema é que as eleições em Valença, há tempos, vêm deixando de respeitar esses marcos.

Quando passa a valer tudo para derrubar o oponente, pode até existir ganho eleitoral de curto prazo. A longo prazo, contudo, há perdas para o processo político e para a própria democracia. Por que será que Valença foi a cidade da região com maior taxa de abstenção (quase 20% dos eleitores nem foram votar)? Não é coincidência: é sintoma do fastio do eleitorado, cansado de quatro eleições – duas realizadas (2008 e 2012), duas canceladas (2010 e 2011) – com um nível de virulência, de ódio e de jogo baixo acima da média.

A hipocrisia de anunciar o iminente fim do mundo se fulano ganhar, a estratégia de demonizar beltrano, o rumo de desqualificar pessoalmente sicrano: tudo isso só faz afastar importantes segmentos da sociedade da participação política. Se a política parece ser isso, quantos não desejam por esse motivo se distanciar dela? 

Valença não pede muito. Que o eleito (quem quer que a Justiça determine ser o eleito) governe, que a oposição fiscalize e se oponha, que os cidadãos concordem ou critiquem, que outras eleições venham e premiem ou punam o grupo que estiver no poder. Sem drama, sem fim do mundo, sem apelação. Numa palavra: normalidade – o que implica contraditório, disputa política, crítica, mas não incivilidade nem jogo baixo para derrotar o adversário a qualquer custo.

Paulo Roberto é professor da Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF), autor de diversos livros, entre eles “O PT e o dilema da representação política” (FGV), “Identidades políticas e personagens televisivas” (Corifeu);  e “Mídia e identificação política” (Multifoco).


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