domingo, 17 de junho de 2012

VQ // 41 // Educação

O problema das salas de aula lotadas

Dando continuidade ao debate iniciado na edição 39 do VQ sobre como melhorar a educação pública,  levantamos o problema do alto número de alunos numa mesma turma. Quais as origens do problema, como isso afeta a qualidade do ensino e o que é possível fazer?

Por Sanger Nogueira

Para as pessoas com mais anos de experiência, a convivência numa sala de aula com turmas de 35/40 alunos faz parte de suas lembranças escolares. O argumento para as turmas lotadas surgiu com as  melhores intenções: quanto mais alunos numa turma, mais rápido é o processo de socialização do aluno com as denominadas “diferenças culturais”. Turma lotada significava uma melhor inserção do  indivíduo em sociedade. Para os professores, fileiras e mais fileiras de alunos serviam como status para a sua carreira.

O professor era visto como mestre naquela época e conseguia atrair os olhos de dezenas de  estudantes, através de uma mistura de reconhecimento do saber adquirido e através do medo dos  alunos pela figura do mestre. Não é difícil, ao conversar com as pessoas que já passaram pelos bancos  escolares, a lembrança de professores que “marcavam em cima” dos alunos. Os discentes
que não conseguiam o rendimento esperado eram reprovados e, com o passar dos anos, saíam da escola para o mercado de trabalho.

Esta visão romântica sobre a sala de aula foi destruída pelo processo de universalização do ensino  colocando nos bancos escolares alunos com uma série de problemas que a “antiga” sala de aula escondia: drogas, alcoolismo, prostituição, violência familiar, baixa autoestima, falta de futuro profissional. A maneira como a “antiga” sala de aula “resolvia” tais problemas era através da  reprovação, solução que se revelou uma forma de não enfrentamento. 

No entanto, a universalização do ensino foi feita sem a infraestrutura necessária para atender os alunos. O ritmo de construção de escolas deveria ter seguido o ritmo de aumento de alunos.  Infelizmente, não foi isso que ocorreu. Tínhamos cada vez mais alunos sem a construção de novas  escolas. Junto com o problema do espaço físico, o magistério perdia espaço na sociedade como uma  carreira profissional. Na proporção que aumentava o número de alunos na escola, diminuía o status  do professor dentro da sociedade. O professor foi, com uma intensidade muito maior nos últimos  anos, perdendo sua autonomia pedagógica. Ele foi burocratizado, tornando-se um mero executor de  tarefas. O atual secretário estadual de educação, Wilson Risolia, apenas demonstrou o que já vinha se desenhando há algum tempo.

Guerra aos professores
A atual gestão da secretaria de educação declarou guerra aos professores ao impor o método da  enturmação”, isto é, a forma como são alocados os alunos matriculados na escola dentro das  radicionais turmas. Funciona assim: funcionários da secretaria de educação visitam as escolas e  calculam a área de cada sala escolar. É criado então um padrão mínimo de metros que cada aluno,  teoricamente, deveria ocupar. Assim, é decidido que na sala X cabem 40 alunos e, sendo assim, aquela turma tem que ter 40 alunos com o pretexto de “otimizar”. Otimização é uma palavra bonita para formar uma turma lotada de alunos e diretamente relacionada à economia (otimizar a produção para gerar mais lucro).

Não é difícil perceber que no atual processo de criação de turmas não é levado em consideração nenhum caráter pedagógico, mas simplesmente  um cálculo matemático. Pelos métodos empregados pela atual gestão da Secretaria Estadual de Educação, o estádio do Maracanã poderia ser  considerado a maior sala de aula no Brasil.

“Dador” de aula 

As consequências para alunos e professores são desastrosas. Para o professor, a sala lotada não  permite que o mesmo descubra nos alunos as suas potencialidades ou então suas dificuldades. A relação entre professor e aluno torna-se uma coisa artificial. Não é raro, numa turma lotada, o  professor só conseguir olhar para todos os alunos na hora da chamada. Aumentam os problemas de  indisciplina e falta de vontade no estudo. A ida do professor à carteira do aluno, essencial como  método para tirar dúvidas, fica prejudicada, já que é preciso “ficar de olho” no resto da turma. Para os alunos, a turma lotada prejudica o aprendizado, quando o professor é obrigado a perder preciosos minutos acalmando os alunos por conta de barulhos e indisciplina.

Peguemos dois exemplos reais: a turma de sétimo ano do ensino fundamental do Instituto com 39 alunos e a turma do primeiro ano do Theodorico (1003) da modalidade de Ensino de Jovens e Adultos (EJA) com 43 alunos (veja a imagem). Imaginem o desafio de colocar 39 crianças, com ritmos de  desenvolvimentos e aspectos de sociabilidades distintos numa mesma sala para formar um sétimo ano. O ensino fundamental é um momento de extrema importância para o desenvolvimento de suas aptidões e habilidades.

É bastante provável a existência de alunos que gostam de estudar e que têm facilidade com o aprendizado. Por outro lado, também é comum alunos que precisam de um reforço na hora do aprendizado. O típico aluno que, na linguagem dos professores, é preciso “ficar de olho” para que ele não “coloque fogo na sala de aula”.

Além do prejuízo ao aluno, o professor se desgasta mais e tem a sua capacidade de propor novas ideias prejudicada. O docente deixa de ser professor e se torna um “dador” de aula transmitindo um conteúdo sem as devidas condições para que o aluno aprenda. Desmonte da educação pública O diário do Theodorico Fonseca, com 43 alunos em uma única turma, demonstra o final do processo de desmonte da educação pública. Em sua maioria, os alunos da EJA são aqueles que tiveram uma série de dificuldades na escola e abandonaram os estudos. Voltam para os bancos escolares para tentar recuperar o tempo perdido.

Como as aulas ocorrem no período noturno, muitos alunos passam o dia trabalhando e chegam exaustos numa sala lotada. Podemos pensar: qual é o estímulo que esse aluno tem para frequentar e aprender o conteúdo dentro dessas condições? Se o atual processo de enturmação da secretaria estadual de educação é tão ruim assim, por que ele existe? A principal razão de existência é baseada na visão de educação que a secretaria possui: tratar os alunos como se fossem números e os professores como se fossem peças descartáveis.

A atual política da educação do estado não permite a descoberta de talentos e, muito menos, ajudar aqueles que possuem dificuldades nas disciplinas. A Secretaria está sacrificando uma geração de alunos em nome da “gestão”, outro nome bonito para destruir a vida intelectual dos nossos alunos. Um crime está sendo cometido e nós estamos sendo expectadores. Esta política está transformando a sala de aula num “depósito de aluno”.

É possível mudar? Mais do que possível, é necessário. Precisamos de uma legislação que defina o número máximo de alunos por turma; precisamos, nas reuniões da comunidade escolar, colocar explicitamente que somos contra a política de lotação das salas de aula. Precisamos de pessoas para que a história não nos julgue como um bando de omissos.

Sanger é professor da rede estadual de ensino

12 comentários:

Prof. João Neto disse...

Sanger Nogueira, realmente um texto bastante interessante e que retrata a fiel realidade com que deparamos hj nas escolas.
Salas numerosas com pouco espaço físico complicando ainda mais as condições de trabalho que temos.
Sempre bato na tecla da chamada.. como fazer?? Numa sala numerosa assim são mais de 4 minutos para fazer a chamada. Como tenmos pouco tempo, isso acaba ficando finalizado assim...
Uma questão muito complexa sem sombra de dúvidas!!

lola aronovich disse...

Muito bom, Sanger, concordo contigo! Só peguei turmas de 35 a 40 alunos durante pouco tempo, quando fazia estágio em Pedagogia. E agora na faculdade, nos cursos de Inglês Técnico... Realmente não é legal, ainda mais quando a gente tá falando de criança. Outra coisa é como o termo "dar aula" está enraizado nas nossas cabeças de professor. Que termo vc usa?

Isabela Salgado disse...

Sanger, seu texto está realmente excelente! Concordo plenamente com todos os preceitos discutos. Seja por mera análise da questão, ou por própria experiência, reconheço perfeitamente que o número excessivo de alunos em muito prejudica o processo de aprendizado que, como tal, deve ser adaptável às peculiaridades de cada um, tal como capaz de atender as necessidades individuais. A idade dos alunos em questão assume uma relevância ainda maior quando considerada a atenção e a pedagogia corretas que devem ser aplicadas em turmas ainda pouco amadurecidas. Deve-se reconhecer que inúmeras falhas poderiam ser redimidas a partir de uma educação adequada. Os professores são agentes de formação de caráter e devem, por consequência, ser valorizados como tais.

Profª Camila Faria disse...

Realmente professor Sanger está é a realidade das nossas salas de aulas, que além da falta da infraestrutura necessária para uma boa acomodação dos discentes, também falta profissionais capacitados para tal cargo.
Enquanto nossos governantes não assumirem uma postura condizente sobre a “educação” do nosso país e também os próprios cidadãos, atos vergonhosos continuarão acontecendo, pois esta responsabilidade é de todos e não cabe a um só.
Parabéns! O seu texto ficou excelente!

Laila disse...

Os mesmos pais que se recordam saudosos dos "bons professores" das "antigas", que eram austeros, sem "dar trela para aluno", que "cobravam a matéria" (aliás, que expressão horrorosa essa!) são os que hoje acham um absurdo o filho ficar em prova final por causa de 10 pontos, que vão à escola reclamar se o professor coloca uma questão que envolve raciocínio interdisciplinar na prova, afinal, "só pode cobrar o que deu em sala". O caminho não é a palmatória nem a permissividade, mas como capacitar a todos? Hoje em dia, ter aula com um professor competente é questão de sorte: pode acontecer ou não. E, no caso da falta dela, fica aí uma defasagem que vai se estender pela vida acadêmica e até profissional do aluno. Com a carreira desvalorizada, a figura do professor vira uma profissão de "segunda opção", afastando muitos dos que teriam o dom de ensinar, que migram para carreiras com oportunidades mais promissoras.
Ótimo texto, Sanger. Um panorama completo do atual estado da educação pública visto de dentro, que é o que está faltando por aí.

Professora Caroline disse...

Boa noite, Sanger.
É triste ver as dificuldades dos discentes aumentarem por questões banais.
Infelizmente o grande problema é o SISTEMA! O mesmo deveria ser facilitador do processo de ensino aprendizagem, porém não é o que está acontecendo. As salas hoje em dia não estão apenas lotadas, estão na verdade superlotadas, uma vez que uma criança com dificuldades além das cognitivas necessitam do professor em dobro. Assim fica inviável o professor dar atenção necessária de forma qualitativa.
Com esse sistema de "salas cheias" a educação passa a ser vista de forma quantitativa e não qualitativa.
O texto narra com veracidade a situação que o país vivencia. A questão é: Até quando o país continuará desta forma? Quando é que o brasileiro irá deixar de conferir apenas o troco e passará conferir se as promessas dos políticos estão sendo realizadas?
Parabéns Sanger pela iniciativa.

Anônimo disse...

Diante do atual caos social, da decadência familiar e do despreparo intelectual e cultural de maneira geral , concordo plenamente com a questão relativa a quantidade de alunos na sala de aula. Fica evidente a necessidade de aumento tanto de salas de aula quanto de professores. Mas permitam-me humildemente fazer uma observação. Precisa-se de Professor (a) e não de mais pessoas exercendo funções burocráticas na Educação. Creio que a burocracia escolar deveria ser é enxugada. Basta um olhar em qualquer Secretaria de Educação para ver isto. Tem gente demais "mexendo" com papel e gente de menos dando aula. Mudar isto, este cabide de empregos, já seria um bom passo para valorizar o Professor (a) e a Educação. Sei que os países que se destacam na Educação de seu povo seguem basicamente por este caminho. Educação desburocratizada na área administrativa (pouca gente "mexendo com papel), muitos Professores (as) competentes, bem pagos e valorizados, participação dos pais, muita cobrança dos alunos, cobrança esta respaldada pelos responsáveis dos alunos, ensino ministrado dentro das características do século XXI porém rígido, muito rígido.

Elayne disse...

Belo texto, Sanger. De fato,salas superlotadas é um grave problema da educação atual. Atrapalha MESMO o trabalho do professor e o desenvolvimento do aluno. As pessoas tornam-se apenas números, coisas que têm de receber informações estejam ou não aprendendo de verdade. É uma pena que os pais desses alunos não se envolvam de verdade, não reivindiquem melhores condições de ensino para seus filhos... Aliás, não sei se a educação fora tão bombardeada como está sendo neste governo. Também tenho turmas lotadas no ensino fundamental e vivo essa realidade. Também parabenizo você pela discussão através desse texto. Abraço

Prof. Cícero Tauil disse...

Boa Sanger!
Me fez lembrar da cena do filme THE WALL onde os alunos são passados no moedor de carne gigante.
A ideia é justamente essa! Somos todos moídos. Assim há mais espaços para o armazenamento de todos que estão na sala.
Não há perigo de putrefação pois as salas já estão sendo climatizadas.
Gado! É tudo Gado!
Escolas frigoríficos!

Unknown disse...

Bom... Sanger adorei ser convidada para postar no site.Achei intersante a sua participação nisso.Eu como futura pedagoga acho isso uma questão política infelismente não se tem salas separadas o suficientes para cada turma de 50 a 60 alunos. Muitas das vezes uma sala de aula pelo tamanho dá para fazer em torno umas quatro turmas separadas, mas para não ter trabalho com obras para o govreno acham melhor juntas uma quantidade enorme de alunos dentro de uma sala só.Um professor para ganhar muito bem precisa dar aulas em várias escolas,muitas das vezes eles não conseguem fazer seus planos de aulas e a matéria dada acaba sendo frustrante para alguns isso numa turma de 35 a 40 alunos imagine com 50 ou mais ele não atingirá ao objetivo tão fácil.

helenecamille disse...

Realmente uma matéria excelente para refletirmos essa questão que me enerva e apavora, principalmente quando recebi o Diário com 55 partícipes de um Sistema em colapso total.

Parabéns Sanger! Gostei muito por conta da relação professor e salas superlotadas e um sistema meritocrático voltado para uma administração "fordista" em vez de Educacional.

monique.ead disse...

Olá,seu artigo foi muito bem embasado e complementado com sua experiência pessoal.
Realmente é antipedagógico e inaceitável uma turma com 40 alunos.
Utilizo microfone e tento mantê-los sempre trabalhando mas em algum momento é preciso passar o conteúdo da disciplina.
Daria como sugestão aos mestres desesperados e com as cordas vocais comprometidas, que passassem de carteira em carteira pedindo os números para preencher a chamada depois de escrever alguma coisa no quadro.
Assim, acredito ficará menos árdua a tarefa de fazer a chamada.
Abrs
Monique Petrucci